Escrito a partir de 1500 a.C., o livro mais vendido da atualidade também vigora entre os mais antigos da categoria e o mais longo a ser finalizado, aproximadamente 1600 anos até a versão que conhecemos atualmente. Mesmo três mil e quinhentos e poucos anos depois, a Bíblia continua sendo um livro de referência para a sociedade contemporânea, transcendendo o limite das religiões e moldando a base da moral e da ética ocidental como a conhecemos. Três mil e quinhentos anos atrás. O alfabeto com o qual escrevo esse texto, estava nos primeiros estágios do nascimento. Os caracteres que transmitem a mensagem da Bíblia hoje em dia datam de apenas algumas décadas de distância dos primeiros escritos do livro. O tempo parece não ser um problema para a imortalidade bíblica. A questão é entendermos o porquê.
As sagradas escrituras cristãs apresentam algumas características únicas, muito interessantes quando as olhamos de um referencial privilegiado: elas são um conjunto de linguagens, separadas por centenas de anos e diferentes estruturas sociais. E como uma linguagem, a Bíblia é uma ferramenta para se transmitir todo tipo de informação. Mostro-lhes um enxerto que descreve a ira de Deus Todo-Poderoso àqueles que não obedecem as suas regras, seguido por uma sequência de leis retiradas a dedo de alguns livros do Velho Testamento; moldo um perfil social específico. Em outro momento separo passagens de Jesus pregando o amor como bilhete de entrada no paraíso e uno-as com uma frase do Levítico que dita o amor homem-mulher como o verdadeiro amor de Deus; moldo outro grupo de pessoas. O que faz da Bíblia um livro único e imortal é o fato dela ser multi-interpretativa, muitas Bíblias em uma só, cada uma compatível com o perfil de alguém em algum período histórico.
A teologia da prosperidade é um exemplo contemporâneo, contrastando Pastores neopentecostais e padres Franciscanos, como se ambos seguissem diferentes ensinamentos, deuses diferentes. São duas visões do mesmo texto. Assim como grupos no Facebook, as religiões atraem pessoas que pensam de forma semelhante, interpretam as escrituras com um ponto de vista comum e ignoram aquilo que não as convém. Os cristãos querem e buscam o melhor dos dois mundos: onde os pecados são apenas aquilo que não fazem parte de seu comportamento e o caminho correto para o reino dos céus é o estilo de vida que levam. Uma cegueira intencional, na qual os demônios estão nos outros e não dentro de cada um deles; na qual a vaidade e o orgulho de serem os únicos convidados para a ceia do Senhor são apenas detalhes inconvenientes.
A Bíblia moldou (e ainda molda) o mundo, mas as sociedades têm um poder igualmente grande para dizer o que está lá escrito. É chocante pensar que o mesmo texto que guiou a Inquisição da Idade Média hoje arrasta multidões da Renovação Carismática. Não é difícil concluir que o mesmo pode ocorrer com os outros demais fundamentalismos mundo a fora. Basta um pouco menos de preconceito, um pouco mais de visão fora da caixa.
A Bíblia se mostrou, ao longo de inúmeras gerações, ser o mais poderoso dos escritos: Deus descrito pelas mãos de homens, para ser lido pelos homens e interpretado por grupos de homens. E a palavra de Deus é soberana; a palavra do Senhor é incontestável. Amém!