Espera-se ansiosamente a quinta badalada. Isso representa, para o jovem operário, o fim de sua jornada de trabalho. Desde a primeira hora, na verdade, nada ocupa mais a mente do rapaz do que a perspectiva do fim. É na quinta badalada que seus problemas se encerram, se guardam nas gavetas do vestiário trancadas à chave. Era o milagre do sino. Na quinta badalada o rapaz estaria livre. Livre para que, na verdade? Livre, apenas.
É lá fora que está a vida, não aqui. Lá as pessoas são alegres, sorridentes. Lá os casais trocam confidências e se amam despretensiosamente, sem regras de comportamento ou metas a bater. É lá que podemos dançar, beber, sair de nós e do nosso mundo, migrar para onde o tempo e o espaço não fazem tanto sentido. Aqui é o martírio, a prisão de Ícaro. A quinta badalada são as asas. Asas da liberdade e da morte.
Lá fora também está a morte. A violência, a dor. A dor é o caminho tortuoso. Morte sem dor pode ser um suplício, um lapso da existência em ruptura. A dor é a cruz. O poeta de Moçambique dizia que o mundo seria melhor se todos os mortos tivessem sido enterrados sorridentes. A morte é um processo degenerativo, morre-se em etapas. Primeiro morre a confiança, o afeto; depois se vão os amigos, a família, as âncoras; vão-se as horas, os dias, as luas e as luzes; por fim se vai a esperança e a fé. Quando nada mais resta, padece, finalmente, o corpo e a existência. Nesse processo, a dor toma o lugar do alegria; no leito derradeiro sobram-se poucos sorridentes.
Os olhos jovens, no entanto, pouco enxergam da dor do oeste. O epílogo da existência é uma preocupação longínqua. A esperança arde, como as chamas do sexto círculo, chamando-os aos pecados do mundo que os aguardam. O trabalho é a prisão; o sino, a libertação. Esse é o dilema da esperança: enquanto ela se faz presente, o presente torna-se transitório. Em um presente transitório, pouco se faz para viver nele, no aguardo do futuro ideal construído no amálgama da esperança. Ela dá energia para prosseguir, suportar, mas pouca voz de comando à ação, à transformação.
O sino é a esperança. Tudo estará melhor após a quinta badalada. Basta o sino ressoar, chegar aos ouvidos dos trabalhadores, que a vida se inicia. O que fazer antes do sino? Não há antes. Há apenas o depois. E o mesmo se repete no próximo dia. E no seguinte. E no seguinte. A crueldade da esperança é a transitoriedade. Hoje ela é uma rocha, amanhã deve se metamorfosear para permanecer firme. O sino irá tocar, a liberdade chegará. Mas até o sol nascer mais uma vez. Na nova alvorada, espera-se o metal ressoar mais cinco vezes.
O jovem caminha para casa, era o sexto badalar do sino. Sobe as escadas do prédio quando ouve-se a sétima. Come na oitava, banha-se na nona. Olha a noite escura pela janela, ouve-se os gritos distantes da cidade, décima. Na décima primeira o sono assoma-se. No abrir dos olhos, a esperança renasce, os grilhões estão novamente selados até a quinta badalada. Na quinta badalada o rapaz estaria livre. Livre para que, na verdade?
Livre, apenas.
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