Um dia desses, meu pai estava lendo seu jornal diário e analisava uma reportagem sobre o ativismo LGBT e sua influência atual na política do país. Estava claramente intrigado com o que estava lendo, seja lá o que passasse em sua mente. A matéria continha ilustrações, imagens do grande evento da comunidade na Avenida Paulista, a vulgarmente conhecida "Parada Gay". A foto panorâmica apresentava a avenida lotada, com bandeiras, faixas e muitas cores. Era possível ver pessoas até onde a lente da câmera nos permita. Encarando friamente a fotografia, ele, na maior sinceridade e espontaneidade que um homem nos seus 50 anos poderia ter, me fez uma pergunta curiosa. "Porque será que existem tantos gays hoje em dia?". A pergunta foi claramente retórica. Respondi com um sorriso, e continuei minhas atividades. Como ele não esperava resposta, manteve o seu calmo ritmo de leitura do jornal, esquecendo a indagação após alguns segundos. Eu, por outro lado, não esqueci.
O questionamento do meu pai foi realmente poderoso, carregado de informações que podem ser tiradas se olhado de maneira aprofundada. A retoricidade da pergunta deixa claro que, alguns décimos de segundos atrás, outra pergunta surgiu em sua mente: "Existem mais gays hoje do que no passado?". Claramente seu cérebro respondeu com um sonoro sim. Mas se realmente pararmos e olharmos a pergunta, notamos que ela é extremamente difícil de ser respondida de forma rápida. Quantos LGBTs existiam no passado? Quantos realmente de assumiam publicamente? Quais os indícios que o número de gays é maior agora? Dados? Quais dados? De fontes confiáveis? Todas essas perguntas podem ser solucionadas, mas demandariam um esforço muito maior do que meu pai empregou ao analisar rapidamente a situação. O que ele fez, no entanto, é algo que acontece a todo momento em nossa vida e não nos damos conta disso.
Responder a uma pergunta do tipo "Eu recebo mais informações sobre o ativismo LGBT do que antigamente?" é uma tarefa muito mais simples do que a pergunta original. O cérebro do meu pai (que é um homem com muita experiência de vida e conhecimento agregado, longe de ser ignorante) inconscientemente substituiu a pergunta original por algo mais simples, como a mostrada acima, dando a falsa impressão que elas eram equivalentes. Esse processo de troca descrito é conhecido por especialistas como Heurística da Substituição. Achamos que estamos respondendo a pergunta original, quando na verdade estamos resolvendo uma muito mais simples, mas que nossa intuição não consegue diferenciar da original. Apenas conscientemente percebemos que a tarefa inicial pode ser muito mais trabalhosa e profunda do que imaginávamos.
Em alguns casos (na maioria deles), a substituição nos poupa esforço cognitivo e nos permite fazer análises mais práticas de situações cotidianas. Contudo, quando tratamos de assuntos mais sérios, a heurística pode ser a fonte de vários erros e nos levar a conclusões completamente equivocadas sobre diversos assuntos. Eu mesmo me confrontei com a seguinte situação, ao ler comentários de notícias no Facebook: "Estamos nos tornando mais intolerantes?". Prontamente respondi que sim, estamos ficando cada vez menos dispostos a aceitar o diferente, baseado nos discursos de ódio que exalavam das publicações da rede social. Esqueci, por um minuto, das barbaridades da Idade Média contra os hereges, da exclusão social feminina na revolução industrial ou mesmo das brutais repressões de opiniões da ditadura em nosso país. Não passou pela minha mente que minha avó era julgada e proibida de sair de calça na rua ou que meu avó jamais seria respeitado se o vissem chorando em público. Fui enganado pela minha mente, sem me dar conta, porque decidi responder a uma pergunta do tipo "Estou mais exposto a opiniões intolerantes?". Mais simples, mais intuitiva, porém diferente da original e com a resposta inversa.
Tiramos conclusões precipitadas o tempo todo, seja lendo uma matéria do jornal, vendo um anúncio publicitário ou conversando com um estranho. Nossa intuição é rápida, prática e trabalha sem esforço. Nosso consciente é lento, demanda atenção, mas é muito mais preciso, porque é o único capaz de aplicar nossos conhecimentos de maneira lógica para chegar a uma conclusão. Quanto mais percebemos isso, melhor é nossa tomada de decisão e menos somos enganados por nosso cérebro.
O primeiro passo para entendermos o mundo é entendermos nós mesmos.
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