segunda-feira, 8 de julho de 2019

Liderança, autoritarismo e moscas


O que faz de um time vencedor? Quais habilidades uma equipe deve possuir para se manter coesa e harmoniosa? O que faz uma equipe atingir os objetivos e outra fracassar na estaca zero? Quanto você estaria disposto a pagar para ter as respostas para essas perguntas? O mundo corporativo anseia por lideranças que conheçam a arte de trabalhar em conjunto e gerar resultados. O mercado de coaching atrai milhões de dólares para apresentar aos líderes e aspirantes a líderes as melhores formas de garantir o sucesso de um grupo, do seu time e do seu negócio. Porém, meus caros leitores, digo-lhes que grandes lições de liderança podem ser aprendidas por meio da literatura, disponível a menos de cinco dólares de distância.

O Nobel de literatura William Golding apresentava, em 1954, sua obra prima, uma aula na forma de romance: O Senhor das Moscas. O livro apresenta uma linguagem simples e profunda, como os grandes romances centrais do período entre guerras e no pós-guerras. No entanto, o livro de Golding não contextualiza, não constrói realidades alternativas, não viaja na ficção paranoica presente em outras distopias clássicas; o que o livro propõe é explorar a essência da convivência social humana e sua degeneração de modelos colaborativos e fragilmente democráticos para regimes autoritários centrados na violência e na opressão. O curioso é que o autor decide construir sua obra sobre a mais pura e vil inocência: uma sociedade composta apenas por crianças.

Na pureza infantil, O Senhor das Moscas transpõem o leitor a uma sociedade sem regras em que as crianças, baseadas apenas em uma noção fraca de organização de grupos, devem sobreviver a um ambiente inóspito do isolamento da civilização, em uma ilha deserta. Não aprofundarei em todos os detalhes que circundam a obra pois, como sempre, a leitura na íntegra jamais pode ser substituída por uma resenha superficial, por mais completa que seja. No entanto, existe um ponto nessa obra que chamou a minha atenção, passada a euforia de um final tenso e um pouco ex-machina: como a liderança democrática e o autoritarismo possuem uma fronteira tênue.

Liderar é, antes de mais nada, guiar e orientar. Um líder deve transmitir confiança e demonstrar empatia, de forma que o time possa ter um alicerce rígido de sustentação e também uma figura que compreenda os anseios individuais dos liderados. Grupos de crianças costumam possuir entre elas líderes eleitas por aclamação, seja no parquinho ou na sala de aula. O líder da turma de crianças é aquele que se destaca por sua comunicação e capacidade de ser a referência, mas falha na empatia e em garantir a coesão do grupo. Na história de Golding, tenta-se sustentar o convívio em bando em estratégias amplamente democráticas, com assembleias e reuniões, porém com um líder imaturo; logo diversos problemas começam a aparecer. Uma lição de liderança é apresentada ao longo do declínio do grupo, onde falhas e mais falhas nas frágeis regras que tentam guiar aquela tribo se desmantelam. É na insegurança, no medo, na expectativa vazia de um prazer instantâneo que nasce o modelo autoritário, gradativamente ganhando seu espaço e dominando o grupo de crianças. Na figura do caçador, são postas em cheque as formas de representatividade vigentes e a liderança entra em disputa.

O foco da crítica d'O Senhor das Moscas é, certamente, a falência de algumas democracias liberais que estavam em ascensão no período pós-guerra, algo que se enxerga também na deterioração de diversos regimes democráticos nessa segunda década no século XXI. No entanto, a lição pode ser também individual e, com o poder de abalar estruturas que só a literatura pode trazer ao leitor, ensinar como podemos construir nossa base de liderança para que nosso time esteja sempre coeso e alinhado rumo a um objetivo. A aflição da organização frágil do bando de crianças pode ser um espelho para nosso papel como líderes e influenciadores de pessoas.

Aprender com casos de sucesso, como os coaches propõem ao redor do planeta, é bastante eficiente e ilustrativo para elucidar aspectos básicos de liderança. Mas a imersão que a literatura proporciona a um leitor atento faz com que você se torne parte da trama, em que você é o líder, você fracassa e você aprende com os erros, tudo em um ambiente controlado da imaginação ficcional das narrativas. Grandes mestres têm muito a ensinar e grandes discípulos podem sempre superá-los de abrirem a mente e subirem em seus ombros.