A energia é distribuída de forma desigual em nosso corpo, como dizem as tradições budistas. Permanecer calado em um momento no qual é desnecessário abrirmos a boca evita uma perda indevida do nosso qi, que poderá muito bem ser direcionado para outras partes da existência. Calar-se é um exercício de autocontrole e disciplina. Repetições de mantras, orações e salmos são estratégias de concentração e foco, adotadas por diversos povos ao redor do globo com um objetivo em comum, a reflexão e a autoconhecimento. A meditação hinduísta e o rosário católico, por exemplo, firmam um paralelo que fazem transcender aqueles que os tornam rotina de vida. Não necessariamente uma transcendência em fé, para um plano superior metafísico, mas para um novo estado de consciência, impulsionado pelos próprios desejos depositados em nossas preces. Para um cristão comum, o diálogo com Deus é um hábito, desnecessário a rigor: o Altíssimo de tudo sabe, tudo vê, não precisa ser informado de nada; necessário, no entanto, para o que o próprio orador, muitas vezes perdido no turbilhão de sentimentos, direcione e coloque ordem nos seus desejos e necessidades.
O silêncio, em inúmeros casos, é a atitude menos danosa dentro de uma vida social pacífica. Ter a coragem de se aventurar por dentro de si próprio pode significar uma viagem para além do seu orgulho, um teste de humildade. Ajoelhar-se perante seus problemas, ponderar atos e emoções, refletir sobre falar ou não falar, magoar ou não magoar, relevar ou perdoar. Perdoar a nós mesmos é o primeiro degrau na árdua escalada de perdoar o próximo. Nas brilhantes palavras de Leandro Karnal, o perdão está em reconhecer que o outro erra, assim como eu também o faço, nos tornando igualmente humanos.
O autocontrole necessário para uma meditação limpa, no entanto, não é para muitos. Em um presente que nunca estamos desconectados, em que a internet une os quatro cantos do mundo, é cada vez um trabalho mais árduo nos conectarmos somente a nós mesmos. Exige esforço, cansa mais do que descansa. É abrirmos mão do tempo que tanto sentimos falta, na correria do cotidiano, para ficarmos em um momento improdutivo, lançando mão de uma lógica mais empreendedora. Mas vale a observação: a autogestão, como chamam, pode ser o treinamento que falta para muitos que buscam relações sempre amigáveis com os demais seres sociais que o cercam.
Em interpretação livre, é necessário encontrarmos sentido em nós mesmos antes de contestarmos os outros. Um segundo olhando ao espelho pode ser mais revelador do que uma hora observando pela janela.