sexta-feira, 10 de junho de 2016

O vazio das pessoas grandes


"As pessoas grandes são muito esquisitas", já indagava, meio confuso, o pequeno príncipe viajante. Mal sabia ele ser o início de uma das mais famosas e complexas aventuras que já nos foi relatada, pelas precisas palavras de Antoine de Saint-Exupéry, nos levando a uma jornada por inóspitos planetinhas e um desafiador universo de metáforas. Mais de 75 anos após a primeira publicação oficial, o livro mais vendido de 2015 ensina uma nova lição a cada nova leitura, principalmente quando apreciado em diferentes fases da vida.

"O Pequeno Príncipe" conta a história de nós mesmos, as pessoas grandes. Na figura do inocente e solitário principezinho, constrói-se uma narrativa simples nos diálogos, simples no simbolismo, mas um tapa na cara daqueles que, acostumados a enxergar apenas o mundo que os olhos os permitem ver, esquecem de usar o coração para entender suas próprias esquisitices. Cada personagem interage com o menino representando diferentes carências da existência humana, como muito bem descrito por Schopenhauer, originadas da falta de um "objeto" que nos satisfaz. A futilidade escancarada pelo viajante está exatamente em nossos desejos vazios e sem o sentido, na perspectiva virginal de uma pessoa pequena.

Ao trombarmos com o Rei que nada governa, Exupéry nos convida a viajarmos pela ilusão do poder e a necessidade de controlarmos tudo e todos ao nosso redor. O empresário ironiza nossa fixação doentia em possuir e enriquecer, ao ponto que o acendedor de lampiões nos convida a rir da mania que temos de burocratizar até as coisas mais simples de nosso cotidiano. Para uma criança leitora, os diálogos engraçados e lúdicos divertem; para as pessoas grandes, são um belo de um puxão de orelha. No que o tempo nos transformou, afinal? Qual preço pagamos pela maturidade?

O famoso diálogo com a raposa é um dos trechos mais impactantes de toda a obra. A personagem, necessitada de atenção, nos revela a cerne do que perdemos em nossa metamorfose da idade. Deixamos a sociedade nos rotular, fechados em um cabresto que nos permite ver apenas superficialmente, sem perspectivas. O que realmente importa exige esforço para ser visto. Devemos nos livrar dos vícios, dos sestros que a vida adulta nos impõe. O essencial só pode ser enxergado com o coração, é invisível aos olhos, não está na superfície. É intenso, mas exige esforço para ser desvelado. A raposa nos leva a diversas outras reflexões como a unicidade da amizade e a difícil tarefa de mantê-la eterna.

Cada capítulo, cada diálogo vale a pena ser lido. Para cada linha, dez entrelinhas diferentes para cada leitor. O que torna o livro grandioso é sua capacidade de se transformar a cada leitura, sem mudar uma única palavra de seu texto. Assim como a raposa, o autor nos ensina a entender sua obra: o que está escrito é um convite, a verdadeira história acontece dentro da nossa imaginação.

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