segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Os muros da sanidade


Era na Casa Verde que o Dr. Bacamarte mantinha os loucos. O sanatório de Itaguaí descrito no conto machadiano era a bancada de estudos do alienista. Nele, o médico internava quem achasse que possuía algum transtorno da normalidade, sejam psíquicos ou comportamentais. Baseado em uma lógica pouco científica, Bacamarte passou a hospitalizar todos aqueles que apresentavam qualquer discrepância do seu padrão de normal. Em certo ponto, atingiu mais de metade dos moradores da cidade fluminense. Eram os muros da Casa Verde que separavam os loucos dos não-loucos. Nas palavras de Foucault, cumpria o papel de um hospício, o de informar a todos o único lugar onde vivem os anormais.

Afinal, o que é ser louco? Para alguns, passar a noite na casa de um estranho que conheceu na balada é loucura; para outros, pegar um empréstimo para viajar com a família, mesmo sem saber se terá condições de pagar é loucura; para muitos, apaixonar-se é a maior das loucuras. Ao ser internada no sanatório de Villete após tentar se matar, Veronika se vê em um ambiente incomum. Lá, doentes mentais que precisam de acompanhamento se misturam com pessoas de mente sadia, mas que temem o mundo externo. O conforto que encontram dentro das paredes do hospital psiquiátrico é devido a liberdade da hipocrisia. Lá podem ser quem querem ser. Não precisam seguir padrões, não precisam fingir gostar ou não de alguém, não precisam omitir os sentimentos. Em Villete todos eram loucos, simplesmente por não precisarem forçar a ser o que os outros chamam de normal, mas que adoece a todos.

Paulo Coelho engenhosamente chamou essa praga de Amargura. A amargura que atinge aqueles adultos que reprimiram seus sonhos na juventude para seguir uma vida mundana comum e confortável, mas que olham os jovens lutando pelos seus desejos e os julgam desvirtuados. Aquela amargura do infeliz casal normal que olha com desprezo a enxurrada de felicidade de um casal gay anormal. A mesma amargura que vive naqueles que invejam a mulher que dorme com vários homens em uma única noite, mas que são limitados por suas religiões a fazerem o mesmo. Veronika, também afetada por esta doença, descobre neste ambiente sem barreiras a sua única cura: o amor pela vida e a vontade de viver intensamente cada dia, livre das amarras do socialmente correto e do filtro de hipocrisia que antes julgava suas ações.

Bacamarte conclui, após suas experiências fracassadas, que, de perto, todos são loucos. Para as freiras, são loucas as prostitutas e vice-versa. Nada além de mim pode ser considerado normal e, como comprova o alienista, eu sou desequilibrado aos olhos dos que me cercam. Veronika e Bacamarte descobrem suas próprias loucuras; para ela, significou sua liberdade; para ele, seu cárcere; para ambos, uma revelação de um novo mundo.

Sob o véu da loucura, oculta-se o regozijo. Quem são os loucos de fato? Aqueles que se libertam para a felicidade ou aqueles que a limitam, com medo do julgamento alheio? 

terça-feira, 8 de novembro de 2016

MINIMUM - A Busca

Afinal, porque buscá-lo nos céus, nas laudas de um livro, nas palavras dos homens? Por qual motivo carecemos de evidências, grandes feitos, milagres? Seria a vida simples demais, banal demais para não enxergarmos em si o maior dos milagres? Seríamos vaidosos e egoístas em excesso para notá-lo através da grandiosidade do mundo que nos cerca? Continuamos seguindo à risca palavras vazias, enquanto demolimos sua obra, pregando o ódio, destruindo vidas, extinguindo a natureza, enterrando a paz.