Escrevo estas palavras do meu smartphone. Transcrevo meus pensamentos em palavras, como meu avô fazia em um guardanapo, no bar em que outrora frequentava. As deles morriam amassadas e jogadas no cesto de lixo, junto com algumas garrafas vazias de cerveja. As minhas transformam-se em bits, viajam a velocidade da luz, da palma da minha mão até algum lugar no globo, onde ficam armazenadas do servidor de alguma empresa especializada. Nem mesmo eu sei onde minhas frases foram repousar. Com alguns cliques, porém, posso recuperá-las novamente, bastando o acesso a essa gigantesca rede e sabendo quais palavras chaves digitar no topo do navegador. Navegamos de uma forma que os patronos da marinha nunca imaginaram antes ser possível: não apenas nas ondas eletromagnéticas dos sinais das telecomunicações, navegamos na liquidez da sociedade que nos cerca.
Flexibilidade é o termo que ocupa a cabeça dos grandes empresários e profissionais liberais mundo a fora. A grande tendência é ser capaz de adaptar os produtos e serviços oferecidos ao cada vez mais mutável mercado consumidor. O capitalismo que estamos submersos afasta-se dia após dia do megalomaníaco modelo fordista, tornando-se leve, enxuto, capaz de cruzar fronteiras como nunca antes visto, cada vez menos dependente dos espaços físicos e mais propício a aventurar-se em locais diferentes, sem medo de desaparecer subitamente. O capital abstraiu-se, desalocando suas forças do maquinário e mão de obra pesada, nas plantas industriais, para ações na bolsa e projetos de engenharia, dentro de escritórios em arranha-céus. Pela primeira vez na história da modernidade a relação de dependência mútua empresa-trabalhador parece estar caminhando ao seu epitáfio. Em seu lugar assume a grande nova dependência capital-consumo.
Por mais que Ford admitisse o contrário, sua estratégia de elevar os salários de seus operários era muito mais uma estratégia de manutenção da mão de obra altamente rotativa em suas fábricas do que torná-los consumidores de seus veículos. Passados cem anos, a lógica desdobrou-se ao avesso, com um intenso incentivo ao consumo que move a roda d'agua da economia mundial. O impacto dessa reviravolta é uma mudança completa de paradigma nas vidas humanas: passamos a ver o mundo com os olhos de consumidores, cada vez menos responsáveis pelas coisas que nos cercam.
O cerne da chamada liquefação da modernidade é a metamorfose de um mundo de produtores para uma sociedade de clientes e compradores. As relações entre as pessoas tornam-se cada vez mais descartáveis e frágeis; a relação com o público torna-se dia após dia mais distante, como se fôssemos apenas meros usuários desses serviços, não responsáveis pelo bem-estar coletivo; os interesses particulares ganham cada vez mais força, o individualismo cresce (o consumismo é uma satisfação solitária); a política torna-se um seriado de televisão, assistimos cada vez mais como espectadores, menos como cidadãos.
Enquanto digito esses caracteres, isolo-me na tela do meu celular, mas nunca estive tão conectado. Como o guardanapo do meu avô, o que escrevo pode se perder no limbo de informações da web e nunca ter um leitor. Mas a ilusão da conexão me incita a continuar digitando. A cada dia nos sentimos mais pertencentes ao virtual, mas menos existentes no plano físico. Passeamos pela vida como em um shopping center, julgando os momentos como vitrines, os acontecimentos como produtos e as pessoas como manequins, buscando aqueles que atendam unicamente as nossas necessidades individuais. Por esses corredores andamos solitários.
Cada vez mais solitários.
Flexibilidade é o termo que ocupa a cabeça dos grandes empresários e profissionais liberais mundo a fora. A grande tendência é ser capaz de adaptar os produtos e serviços oferecidos ao cada vez mais mutável mercado consumidor. O capitalismo que estamos submersos afasta-se dia após dia do megalomaníaco modelo fordista, tornando-se leve, enxuto, capaz de cruzar fronteiras como nunca antes visto, cada vez menos dependente dos espaços físicos e mais propício a aventurar-se em locais diferentes, sem medo de desaparecer subitamente. O capital abstraiu-se, desalocando suas forças do maquinário e mão de obra pesada, nas plantas industriais, para ações na bolsa e projetos de engenharia, dentro de escritórios em arranha-céus. Pela primeira vez na história da modernidade a relação de dependência mútua empresa-trabalhador parece estar caminhando ao seu epitáfio. Em seu lugar assume a grande nova dependência capital-consumo.
Por mais que Ford admitisse o contrário, sua estratégia de elevar os salários de seus operários era muito mais uma estratégia de manutenção da mão de obra altamente rotativa em suas fábricas do que torná-los consumidores de seus veículos. Passados cem anos, a lógica desdobrou-se ao avesso, com um intenso incentivo ao consumo que move a roda d'agua da economia mundial. O impacto dessa reviravolta é uma mudança completa de paradigma nas vidas humanas: passamos a ver o mundo com os olhos de consumidores, cada vez menos responsáveis pelas coisas que nos cercam.
O cerne da chamada liquefação da modernidade é a metamorfose de um mundo de produtores para uma sociedade de clientes e compradores. As relações entre as pessoas tornam-se cada vez mais descartáveis e frágeis; a relação com o público torna-se dia após dia mais distante, como se fôssemos apenas meros usuários desses serviços, não responsáveis pelo bem-estar coletivo; os interesses particulares ganham cada vez mais força, o individualismo cresce (o consumismo é uma satisfação solitária); a política torna-se um seriado de televisão, assistimos cada vez mais como espectadores, menos como cidadãos.
Enquanto digito esses caracteres, isolo-me na tela do meu celular, mas nunca estive tão conectado. Como o guardanapo do meu avô, o que escrevo pode se perder no limbo de informações da web e nunca ter um leitor. Mas a ilusão da conexão me incita a continuar digitando. A cada dia nos sentimos mais pertencentes ao virtual, mas menos existentes no plano físico. Passeamos pela vida como em um shopping center, julgando os momentos como vitrines, os acontecimentos como produtos e as pessoas como manequins, buscando aqueles que atendam unicamente as nossas necessidades individuais. Por esses corredores andamos solitários.
Cada vez mais solitários.
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