A acomodação é uma forma distinta de manifestação do medo. O medo, em suas múltiplas faces, se apresenta em situações que colocam em cheque nossa individual percepção sobre nós próprios. É um sentimento particular que nasce da nossa paralisia pessoal diante de situações e tende a nos levar, irracionalmente, a penosas atitudes inconsequentes. Heidegger destaca que o medo nos tira a capacidade racional de atribuir sentido e nos deixa à mercê das perspectivas impostas, além de aquém das nossas próprias reflexões. O medo nos leva a postegar o inevitável, minimizar as consequências danosas da inércia e distrair-nos com a banalidade. O medo da morte, como o filósofo dedicou parte dos seus escritos sobre, é o mais ardiloso, pelo decesso ser infalível e habitualmente distante. Prazos largos são fáceis de sobrescrever, como as palavras machadianas outrora destacaram: a nossa imaginação os faz infinitos.
Distante era a ameaça no vírus quando surgiu na China e forçou as autoridades a fecharem um dos maiores complexos urbanos do mundo. O fechamento completo acendeu o alerta vermelho pelo planeta, e forçou países ocidentais a tomarem decisões raríssimas em democracias liberais, como a limitação na circulação e fechamento de comércios e demais setores destacados como não essenciais. Batendo na porta, a solução foi agir rápido. Hesitar seria brincar com a morte alheia, um jogo custoso de decisões de olhos vendados. A ciência é o guia e a medicina, a infantaria regular, fadada ao ônus da linha de frente, encarando o medo da morte. Chegando ao Brasil, no nosso lado, a realidade distante parece presente e a inércia da sociedade civil apresenta-se mais uma vez.
O que esperar de lideranças negacionistas e egoístas, que evitam diálogo e adotam o confronto permanente? O que esperar daqueles que negam a articulação e tentam impor as suas verdades ideológicas ao desmontar as instituições, entre elas o sistema universal de saúde?
Há uma semana quarentenado em casa, vejo uma descoordenação geral das forças que deveriam estar agindo de forma articulada para combater a ameaça à vida das pessoas. Estamos rumando para o olho do furacão, que chegará antes da ficha cair, em um curto prazo. Que o medo, independente da origem, não nos paralise e que tomemos as decisões racionais e fundamentadas.
E esperamos, por ora, que Keynes esteja errado para o longo prazo.