Isolar-se é manter distância, afastar-se, evitar o contato. Em um contexto de coronavírus, o isolamento físico é necessário e, até o momento, a única coisa que pode minimizar a chacina da pandemia. Grandes centros vazios, praças públicas e pontos turísticos ermos. Essa é a paisagem de 2020 para os centros urbanos. A reflexão insurgente nesse momento de contraste e solidão citadino cruza as ruas, avenidas, estações de transporte público e nos leva a mergulhar nas multidões que se aglomeravam no cotidiano das metrópoles. Afinal, o quanto o caos diário dos grandes centros realmente significava que as pessoas não eram solitárias?
A solidão, como o escritor Hunter Thompson melancolicamente pontua, nos acompanha do início ao fim de nossas vidas: nascemos e morremos sozinhos. Nessa trajetória convivemos com os outros e compartilhamos nossa solidão com a das outras pessoas. Dentro de uma sociedade, usamos e abusamos da companhia alheia, em maior parte para satisfazer nossos próprios anseios e saciar nossa faminta necessidade por deleites e regojizos. Freud pontua como um balanço entre o ego e o superego: utilizamos da convivência e interação interpessoal para suprir nossas necessidades primitivas de prazer e gozo. Como Karnal destaca em seu livro sobre a solidão, ela é um refúgio que nos protege e nos machuca, assim como a convivência nos acalenta e nos fere. Um dos possíveis poderes da internet e da revolução digital que a acompanhou é a efetivação dessas barreiras tênues entre solidão e conexão, criando elos virtuais efêmeros entre as pessoas, que pode ser totalmente cortado de forma unilateral, com o poder do block.
Em um momento em que as relações virtuais são tudo que restam, é possível perceber o impacto que a superficialidade da convivência urbana nos causa. Quando Antônio Xerxenesky relata uma relação instável entre a metrópole e a pessoa humana em seu romance As Perguntas (2017), faz questão de pontuar nas entrelinhas como o estresse e a sobrecarga da rotina isola e engolfa a protagonista em seus problemas e aflições. A válvula de escape é superficial, levando-a ao esoterismo e seitas que, de alguma forma, tentam acalentar e prover algum senso de união.
Em um contexto de isolamento e pandemia, as plataformas virtuais e sociais nos apresentam, de forma não filtrada, um catálogo diverso de realidades paralelas para acreditarmos e seguirmos, tal qual o esoterismo da personagem de Xerxenesky. Somado a isso, a ausência do calor da interação física tende a nos levar a conexões virtuais mais profundas, as vezes escancarando a fragilidade da maior parte de nossos contatos cotidianos. Percebemos que nos afastamos de pessoas outrora próximas, sendo contaminados por centenas de relações superficiais que consomem nosso tempo e paciência, mas inflam nosso ego.
Assim como Brás Cubas confia sua ingenuidade e seu egoísmo ao seu amigo e filósofo Quincas Borba nos findares de sua vida terrena, tendemos a confiar nas informações que nos protegem, nos aproximar daqueles que nos dizem sim e nos afastarmos a la carte daqueles que nos negam. Bombardeado de informações e carentes de contato, a bolha da internet nos isola cada vez mais. Vivemos, enfim, com três tipos de isolamento simultaneamente em curso: a solidão natural humana, a solidão física e a solidão virtual.
Ainda longe de compreender a quarentena que hodiernamente vivo, vou dormir. Segundo o defunto autor, aliás, é uma forma interina de morrer. Xerxenesky sabiamente pontua: é a morte que coloca as coisas em perspectiva.
Prossigamos.
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