quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Carta a uma mortal


É difícil negar que a morte não tem sua beleza. O tinir das lâminas, os cânoros daqueles que sofrem e desferem os golpes, o perfume de sangue no ar, tornando ébria a mais pura das criaturas. Eu não sou um assassino. Mas presenciar o massacre da minha família me tornou frio. Frio como uma rocha dos cantos mais sombrios de Insweal, onde o sol não alcança e o medo rebrota.

Não sentia medo da morte. Não sinto. Não sou como você, eu nasci para a vida. Nasci para o brilho do leste, alimentando-me do nascer da manhã após uma noite desfrutando dos prazeres féericos. Ser mortal é viver olhando para o abismo, é a certeza do fim. Me diga, como é ser a mais fraca das criaturas, que nasceu pra servir? Criatura tão inócua e facilmente manipulada? Como é amar um mundo que está te sufocando e te matando a cada segundo? Não sinto medo, mas aprendi a respeitar e a odiar a morte. 

É dificil amar, mas o ódio me alenta. Ou, pelo menos, não sei amar sem odiar. Amava e odiava meu pai, Dain, Baleskin. E odiava amar a mim mesmo. Acima de tudo, odeio minha fraqueza. Um rei não pode ser fraco, submisso a nada nem ninguém. Por isso eu nunca quis a coroa, a supremacia de um grande rei feérico é um poder que algema. Meu maior medo é a minha própria fraqueza. 

Somos tão diferentes, vil mortal, mas nosso receio do futuro, nossas dubiezas do porvir nos entrelaçam mais que a coroa me permite admitir. Também quero encontrar meu lugar no mundo, por mais certo que os outros me fazem sentir que ele está. Olho ao redor e vejo o que não tenho, introjeto o desprezo e devolvo em vitupério. Você tem o que não tenho, um motivo, uma busca, tempo.

Valorize a finitude do tempo, a efemeridade das experiências. Por mais irônico que seja, ser uma mortal insignificante te afasta da angústia feérica do eterno, da perfeição intangível. E liberte-se dos fantasmas do passado e do temor do futuro. Mais vale um instante de êxtase e liberdade legítima do que uma eternidade taciturna, mesmo que nas torres mais luxuosas do palácio. 

Verba volant,
Grande Rei C. G. de Elfhame

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Inspirado no livro O Principe Cruel, de Holly Black

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