Extenuados e dopados. Absortos na exaustão, no esgotamento físico e em uma irreal desconexão neural. Um mergulho irresponsável às profundezas da capacidade humana de manter a sanidade. Buscar e expandir um limite elástico, atingir um infalível ponto de ruptura. Sob efeitos de cafeína e de antipiréticos, estamos em busca do limite, aquele que nos ensinaram ser inalcançável e sempre distante o suficiente para tornar-se indistinguível do futuro previsível. Não sente-se o corpo pulsar energia e disposição no agir, mas seu antônimo, um dreno de potência, uma singularidade do não-poder. Sob o apoio e o clamor dos demais, somos motivados a nos sentir dessa forma, como se o vigor e a pura contemplação fossem luxos restritos aos desocupados e vagabundos. Dessa forma, é possível sentir a deterioração do bel-prazer, por mais que nada que nos conduz a essa condição de ressaca existencial seja imposta em oposição a nossos desejos. Muito pelo contrário, nos jogamos ao nosso próprio abismo.
Byung-Chul Han atribui ao “poder fazer” a responsabilidade de querer o inalcançável. Isto é, a um excesso de positividade e auto-cobrança, que nos torna escravos de nós mesmos, pois nos é apresentada uma falsa ilusão de ilimitação. As condições exploratórias de servo e senhor, que por mais de milênio se impunha como a principal forma de submissão e controle de uns sobre os outros, agora torna-se inerente às próprias pessoas, sendo cada um, ao mesmo tempo, a vítima e o réu. Essa dialética individual aflora como uma autocobrança, uma autoexploração consciente, na qual as supostas liberdades do indivíduo o faz pensar superpoderoso, sendo suas vitórias e fracassos decorrentes apenas de suas atitudes. Han contrapõe essa liberdade positiva aos grilhões negativistas de um mundo boomer que pautava-se na imposição externa de regras de comportamento, em que a possibilidade de falar “não” era existente. Nesse caso, o ilimitado poder fazer era sobrescrito por um dever imposto, havendo sempre a ameaça deste ser desafiado por indivíduos ou coletivos que sentiam essa negatividade como um parasita, uma reação de auto-defesa.
Nessa relação de contradição interior que leva a exaustão, esconde-se, como em outros momentos da história, uma luta de narrativas e visões ideologizadas de sociedade. Impor a lógica do poder fazer como uma maneira de impulsionar o desempenho e a performance individual é uma das formas mais evoluídas do fetichismo dominante, criando um isolamento quase à vácuo entre o performante e os reais assorbentes do valor do trabalho. É um mundo dos sonhos para aqueles que buscam, no alheio, sua fonte do valor. É bem claro, portanto, que o fetiche, nesse caso, não apenas transforma os obstáculos em desafios, os problemas em oportunidades e as crises em criatividade, mas altera de forma diametral a relação dialética, fazendo do sujeito oprimido o próprio agente exploratório, enquanto este culpabiliza-se por nunca atingir seus objetivos ditos individuais. O auto-algoz não se dá conta, afinal, de que a liberdade que o direciona ao esgotamento é socialmente imposta de forma a maximizar a geração do valor, escondendo as reais conquistas do trabalho daqueles que sentem-se na ilusão de, finalmente, depois de séculos, ser donos do seu valor.
Seja empreendedor, um investidor em oportunidades de risco, trabalhe enquanto eles dormem, desperte a melhor versão de si. A overdose tóxica de positividade exaure a alma, desgasta o agir e deteriora o pensar. Crie metas, seja ambicioso, supere os recordes, performe e cresça. Cresça e faça crescer. Faça ficar maior, ainda maior, e sob seus ombros, mais pesado, cada vez mais pesado. E queira ser feliz. E busque ser feliz. Sempre feliz. Porque a tristeza, o ócio, a improdutividade são perdas. E ninguém quer perder. Nesse carrossel, pisoteia-se quem deixa de rodar para contemplar o seu entorno. É preciso se manter em movimento.