sábado, 23 de julho de 2016

A escolha de Julieta


Naquela noite em Verona eis que surgia Julieta, vestida de gala, na formosura de seus 14 anos; uma jovem mulher, como descrita pelo autor inglês. A festa que acontecia em um salão da mansão dos Capuletos era uma vitrine. O anfitrião solicitou a presença das grandes famílias da região e suas jovens donzelas com o intuito obscuro de provar ao conde Páris que nenhuma delas se equiparava a sua filha, a qual deveria ser sua prioridade como esposa. Julieta foi a festa a mando do pai; arrumou-se como ditava a tradição; portou-se como uma aristocrata italiana deveria agir; foi aprovada pelo conde, que a optara como futura mulher e com quem iria casar-se em breve, sem objeções. Julieta não escolheria seu destino, ele era ditado pelo homem chefe da família. Já enunciava sua Ama: "Se algum dia eu puder ver-te casada, Julieta, é tudo o que eu mais desejo. Um homem engrandece a mulher", completada pela jovem, "É uma honra com a qual jamais sonhei". No entanto, naquela mesma festa, irrompe-se Romeu.

O jovem Montecchio, metediço naquela noite, apaixona-se pela imagem da menina Capuleto. Ao abordá-la sente-se correspondido, trocando beijos em meio à multidão lá presente. Voltam a encontrar-se naquela mesma noite, quando Romeu a chama na varanda de seu quarto, a famosa cena do balcão, onde proferem juras de amor. Julieta, pela primeira vez, sente o gosto da independência. Casar-se com o rival de sua família é uma afronta ao pai, uma desonra aos Capuletos, mesmo assim ela segue em frente. Com o decorrer da peça, a jovem decide abandonar a família e a nobre vida de Verona para fugir com seu amor, uma dura decisão guiada pela paixão.

É senso comum dizer que a felicidade é diretamente proporcional à noção de liberdade de escolhas. Mas é fácil também percebemos a angústia que nos causa uma decisão com muitas opções. Quando nos restringimos, diminui-se a frustração de optarmos pelo errado, pois não tínhamos muito para onde fugir. No caso múltiplo, a variedade causa angústia, aflição e, após o erro, decepção e arrependimento. Será que Julieta teria escolhido Romeu se tivesse saído com Benvólio? Se tivesse passeado no bosque com Mercúcio? Se tivesse experimentado uma noite de amor com Baltazar? Assim como em toda a alta sociedade europeia do século XVI, Julieta teria um casamento arranjado e poderia se sentir extremamente feliz, pois estava dentro da conformidade, não seria marginalizada por ser diferente. Ao conhecer Romeu, suas possibilidades aumentaram, suas fronteiras expandiram e sua noção de felicidade não era mais a mesma.

Quem sabe, se o plano do Frei Lourenço tivesse sido um sucesso e o casal fosse viver longe de Verona, Julieta não se arrependesse. Talvez ela presumisse que seria mais feliz com o amante Montecchio, simplesmente por nunca ter vivido um momento de infelicidade em sua nobre vida. A felicidade é baseada em comparações. Vivemos momentos infelizes, esperando e idealizando aqueles que nos despertariam alegria. Julieta buscou a sua felicidade naquele instante, talvez de forma inconsequente, mas buscou. Não esperou cair do céu, não postergou. O presente é onde a vida acontece, não o incerto futuro.

Vivemos e temos apenas uma certeza, uma lição também transmitida por Shakespeare em sua peça. Ao ver seu amado morto aos seus pés, Julieta toma sua última decisão, a mais difícil de todas. Sua prova derradeira de amor, que não foi presenciada por seu esposo. Encarar a morte é o mais natural dos desafios, porém o mais perverso. Aceitá-la, uma questão de maturidade. Julieta a abraça, sem medo, sem receio. Seus atos nos ensinam uma valiosa mensagem, a que deveria ser lema para uma vida que vale a pena ser vivida: seja feliz, ou morra tentando.

terça-feira, 19 de julho de 2016

MINIMUM - Leitura

Sob uma campânula de cristal, abro um livro. Como em uma fenestra de um casarão, admiro o entorno, imerso em momentânea amnésia dos contratempos diários. Página, capítulo, binóculo, espelho. Reencontros com emoções esquecidas, soluções perdidas, paixões deslembradas. Leitura: um incêndio insulado no cerrado. Pós cinzas, a vida renasce. Uma válvula de escape: fujo de mim, para ver-me de fora. Fecho o livro, acendem-se as luzes, limpam-se as lentes. Tudo está mais claro; tudo está mais confuso.

sábado, 9 de julho de 2016

Quis custodiet ipsos custodes?


"Quem guardará os guardiões?". Em suas sátiras, Juvenal buscava descrever e escancarar os podres da sociedade romana dos dois primeiros séculos pós-cristãos. Envolto por um caos político, social e religioso, a Roma Antiga já sentia sua decadência, uma exaustão de um regime impopular e desacreditado. Ao questionamento do autor, Sócrates já havia proposto soluções. Mas o que sempre persiste é a objeção: afinal, quem nos protegerá daqueles que se denominam nossos protetores?

Imersos em uma crise de representatividade em escala global, o mundo clama por um sistema de liderança que transcenda esse sentimento geral de isolamento entre os governantes e a sociedade. Os Estados relutam, o povo sente.

Na imagem, as ruas voltam a mesma interrogação do poeta romano, em uma versão mais contemporânea. Quem irá vigiar os próprios vigilantes?

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Um povo de palha


Na Terra de Oz, o Espantalho é uma figura bastante peculiar. Acredita que ter um cérebro é a única coisa que pode fazê-lo um ser inteligente igual aos demais povos daquele mundo. Afirma-se ignorante durante todo o início da história, mesmo pensando e tendo ideias da mesma forma que os outros personagens cefálicos os fazem. Ao ser enganado pelo Mágico de Oz, o boneco de pano ganha um falso cérebro, um placebo, que o faz sentir-se inteligente, sem nem um neurônio a mais. Esse poder instantâneo recebido o torna um ser confiante de si e que tudo sabe, tudo pensa, prepotente em diversas situações. O simples fato de crer-se sabido o transforma, sem tirá-lo da mediocridade intelectual anterior.

Reflito, portanto, se não seria o Espantalho um retrato caricato da sociedade brasileira, uma criatura recheada de palha, com andar cambaleante, mas capaz de grandes feitos. O que seria de Dorothy sem seu fiel parceiro?