Criaturas obscuras circundam o lado de fora das janelas cerradas. O medo e a paranoia tornam abafado o lado de dentro. Uma visão, um simples relance tem o poder de tornar as pessoas ensandecidas, capazes das maiores atrocidades a si e aos mais queridos que estejam em seu caminho. Não se sabe a forma que essas criaturas têm, muito menos de onde vem o poder de adentrar na mente das pessoas e causar tal deterioração. Os mais crédulos não arriscam, os céticos duvidam da existência; entre a paranoia e o risco, os sobreviventes se fecham em suas campânulas escurecidas, sem contato com outros, sem visão do mundo externo. O medo se perpetua e vence.
No lado externo, cavaleiros de olhos vendados encaram o inimigo oculto. Os supostos cruzados de vendas nos olhos buscam combater os maiores males que já infligiram a sociedade humana. Sem direção, mas com um claro objetivo, os cruzados se armam contra o gigante que esperam encontrar, como Dom Quixote e seu épico combate contra os moinhos de vento. Do lado interno, surgem boatos e conspirações que alimentam cada vez mais o terror e o medo que impedem as pessoas de buscarem novos ares. A bolha negra e ofuscante encolhe-se e aperta, sufocando os vestígios de sanidade que qualquer um possa ousar em manter. Dentro dela, perpetua-se a ideia de que nada existe no exterior senão a morte e o apocalipse; nada é mais assustador do que aquilo que não se pode ver; nada se quer tanto evitar do que o próprio desconhecido.
Diz-se que a ficção e a vida compartilham de uma sutil conexão que, em momentos delicados, podem se confundir a ponto de tornarem-se indistinguíveis. Coberto pelo véu do obscurantismo, grandes aglomerados humanos são capazes de cegarem-se deliberadamente por medo do que não se compreende. Uma perigosa cegueira moral que é potencializada em comunidades de pessoas demograficamente separadas, buscando confirmar o seu viés lógico a todo custo, nem que isso demande de uma vida de privações e isolamento. São pelas janelas que a luz da realidade pode entrar, esclarecendo o ambiente e permitindo que se descubra regiões antes sob a penumbra. Janelas que permanecem fechadas com barreiras que evitem o contato com o diferente, com o novo, com o que pode causar um dano imensurável, mas que nunca foi visto pelos vivos e nunca pode ser descrito com precisão.
A coragem e a garra dos cruzados são admiradas pelos isolados da luz, passando a torná-los heróis capazes de um poder e influência jamais imaginados para tais pessoas. A conspiração ganha, a ilusão domina e todos passam a ser guiados por cegos em um mundo multicolorido. A luz capaz de direcionar e esclarecer se encontra totalmente coberta. Apenas as conversas com os iguais mantêm e alimentam a possível ilusão, sem nenhum deles de fato conhecer a criatura que os assombra.
Uma batalha se instaura: uma guerra pela liberdade, pelo fim do medo, da paranoia. Para tal, o trajeto é árduo e as águas são tortuosas. No entanto, deve-se ouvir, ouvir muito bem. E quando chegar a hora, no momento em que tudo que que deveria ser ouvido foi previamente escutado, deve-se abrir os olhos. Só assim é possível obter a direção correta.
Só abrindo os olhos que se pode enxergar as verdadeiras cores do mundo.