sábado, 7 de janeiro de 2017

Um brilho que a todos pertence


Romper preconceitos é uma tarefa que demanda um grande esforço cognitivo. Isso se deve ao fato de termos, de maneira deliberada, que livrar-nos de uma primeira impressão construída de forma associativa por nosso inconsciente. Nossa visão do mundo é moldada, a princípio, por uma série de conexões e padrões que temos em nosso cérebro. Talvez isso seja o grande motivo de sucesso da raça humana: não precisamos de instintos naturais que nos guiem por toda a vida; nós construímos um próprio modelo do mundo que nos cerca, e tentamos encaixar as informações externas que recebemos a ele. E esse modelo se atualiza com o decorrer da nossa existência. Mesmo sendo fundamental para os seres humanos, esse sistema pode nos causar impressões incorretas do que está ao nosso redor, em alguns casos. Daí surgem os preconceitos; por isso ele demanda mais do nosso cérebro para ser desconstruído.

Estamos cada vez mais individualistas e solitários, um fruto da modernidade líquida em que imergimos. Isso faz com que interpretações pessoais do mundo ganhem força, em detrimento das coletivas. Basta nos unirmos com pessoas que pensam como nós em diversos pontos, com poucas divergências que favoreceriam algum tipo de debate, um enclausuramento social. Voilà! Temos o contexto menos ideal para eliminarmos os preconceitos, e o habitat perfeito para que eles se fortaleçam.

Rowling nos instiga a esse debate no seu romance Morte Súbita. A autora best-seller constrói, no pequeno e tradicional vilarejo de Pagford, uma trama costurada ao redor da personalidade de cada um que compõe a história. JK cria uma bolha: dentro dela os moradores mais antigos da vila lutam contra o crescimento de um bairro de periferia em suas fronteiras. O enredo é pleno de análises comportamentais, tratando desde problemas familiares até polarização política. Mas a grande lição que se tira é, nas palavras da própria autora, a dificuldade de "enxergar o brilho de Deus em todas as pessoas". O bloqueio de olhar através de um filtro que nos cerca e nos colocarmos no lugar dos outros, para assim entendermos como parte da sociedade chega nas situações mais marginais da vida humana.

No desenrolar dos acontecimentos, entramos em contato com um universo cheio de preconceitos e inflexões, regido por um reacionarismo cego, que acaba afetando negativamente a vida de todos que o compõe. Uma cegueira muito comum além da ficção das páginas de Rowling. Uma cegueira que elimina a humanidade daqueles que comentem atrocidades. Afinal, não nascemos pré-programados para matar, para roubar. Viemos todos ao mundo com o mesmo brilho. O que nos faz apagar?

A mensagem passada pela autora não é única, muito menos original. Mas é difícil de ser entendida: exige compaixão, caridade e ternura. Obviamente, muito mais árdua de ser colocada em prática. Romper preconceitos doí, estar errado doí, sair do conforto da bolha doí muito. Estamos prontos para suportar essa dor pelos outros?

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